Coluna: Não sobra nada para Zelensky
| Foto: Carnegie Endowment |
A guerra entre Rússia e Ucrânia não tem participação brasileira. O Brasil deve continuar praticando sua política de primazia da paz e de resolução diplomática dos conflitos, por meio da negociação entre as partes. Dito isso, é possível aprender alguma coisa a partir da análise de como o choque entre as duas nações tem se desenovelado.
A Rússia venceu a guerra em 48 horas. Esse foi o tempo necessário para o exército russo tomar a Zona de Chernobyl. Desde o início da invasão, um em cada quatro ucranianos foi embora do país e não voltou mais. O exército que luta pela Ucrânia é, hoje, uma miscelânea de estrangeiros que se colocaram na condição de mercenários.
O principal motivo daquilo que a Rússia insiste em chamar de “operação especial” é impedir o ingresso da Ucrânia na OTAN. Tendo em vista que as bases militares da OTAN foram, nas últimas décadas, empurradas cada vez mais para áreas de fronteira com a Rússia, ela estaria cercada se um de seus vizinhos mais importantes aderisse à organização. Pelas normas, um país sob invasão estrangeira não pode se filiar à entidade. Eis aí o motivo pelo qual a Rússia entrou na Ucrânia em 2022 e nunca mais saiu.
A Rússia não usou nem um terço de seu poderio militar no conflito. Tendo sitiado a região leste da Ucrânia em poucos dias, poderia ter avançado ainda mais. Acontece que não é de seu interesse tomar a Ucrânia, conquistando-a com ânimo imperialista. Um evento como esse colocaria a Rússia frente a frente com seus inimigos europeus. Do ponto de vista russo, a Ucrânia é um parceiro estratégico e assim deve permanecer, sem interferências externas que representem ameaças.
O que chama a atenção nesta fase da guerra é que, há cerca de um mês, surgiu na mídia uma carta de propostas, com 28 pontos desenhados a portas fechadas entre EUA e Rússia, sem participação da Ucrânia, compondo um plano de paz para a região. A Ucrânia teria, segundo o plano, que entregar 20% de sua área, principalmente a leste e ao sul de seu território, comprometer-se a limitar seu exército a 600 mil integrantes e incluir em sua Constituição uma vedação à entrada na OTAN. Em retribuição, a Rússia permaneceria de forma definitiva com o espaço ocupado. Já os EUA organizariam um projeto de reconstrução do país invadido, usando, para isso, 100 bilhões de dólares em ativos russos bloqueados pelo establishment internacional.
Zelensky, atual presidente da Ucrânia, com mandato vencido, fez o que lhe cabia: esperneou. Reuniu-se no domingo e na segunda-feira com aliados europeus que não participaram da discussão anterior e elaborou uma segunda proposta. O problema é que a proposta não inclui a entrega de território à Rússia e garante à Ucrânia proteção idêntica à que teria caso ingressasse na OTAN, porém sem sua adesão formal.
Os Estados Unidos continuam insistindo para que a Ucrânia entregue a região do Donbass. Há suspeitas de que haveria um acordo de bastidores entre EUA e Rússia para a exploração da área correspondente a terras raras — regiões do planeta ricas em metais e elementos químicos essenciais para a fabricação de baterias, chips e máquinas necessárias para o avanço da tecnologia relacionada à inteligência artificial, grande mercado em ascensão em todo o mundo.
A Rússia rejeitará prontamente a proposta de Zelensky. Caso não consiga o que quer, com garantia de entrega de parte do território e vedação legal à entrada da Ucrânia na OTAN, ela não recuará. O objetivo da operação especial foi estabelecido. Vladimir Putin não enxerga motivos para recuar. Existe uma explicação para a Ucrânia ter ficado de fora das primeiras negociações: no tabuleiro internacional, se você não está sentado à mesa no jantar que decide seu futuro, é porque você é a janta.


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