Coluna: A febre dos juros e o mito da cura
Há algo de doentio na forma como o Brasil trata sua política monetária. Quando se entende que há ameaça de inflação, o recurso usado é a velha receita de aumentar os juros, conter o crédito e esperar que o “remédio amargo” faça efeito. O problema é que os excessos cometidos pelo Banco Central já se tornaram evidentes e injustificáveis, e o que ele apresenta como cura, na realidade, tem adoecido o país.
A Selic, taxa de juros brasileira, é definida pelo Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) e usada como referência para a vasta maioria das operações de crédito. Como a Selic corresponde aos juros que a União paga sobre títulos da dívida pública, não faz sentido para um banco, por exemplo, fazer empréstimos a uma taxa inferior a ela. Ao aumentar os juros, o Banco Central promove um efeito cascata automático nos empréstimos realizados no país, fazendo com que fiquem mais caros. A consequência é que tanto o crédito pessoal quanto o empresarial se tornam menos viáveis, resfriando a atividade econômica de forma sistêmica. O objetivo é interferir na demanda por bens e serviços, esperando que o efeito seja suficiente para o controle da inflação.
Da mesma forma que, para um banco, não faz sentido realizar um empréstimo a juros menores do que a taxa de juros definida pelo Copom, para o setor produtivo também não compensa correr os riscos da atividade econômica para ter retornos menores. Como os títulos públicos são muito seguros, pois se tratam de dívida soberana garantida pelo governo, o capital migra para modalidades de investimento improdutivas, atreladas à taxa Selic, em vez de ser investido na criação de novos negócios, emprego e renda. Um empresário naturalmente declina do risco de abrir uma loja, fundar uma indústria ou cultivar a terra, quando o retorno oferecido pela nação é certo e praticamente sem risco.
Outra consequência grave do aumento da taxa de juros é o alto preço que o país paga por isso. Juros e serviço da dívida consomem uma parte considerável do orçamento federal, impedindo investimentos em infraestrutura e implementação de políticas públicas em todas as áreas. O efeito é de bola de neve, pois a fração do orçamento destinada a esses encargos é cada vez maior e normalmente, realizada via rolagem, aumentando o montante da dívida pública, que atingiu recentemente 78% do PIB.
A teoria de que juros altos controlam a inflação tornou-se um dogma. E, como todo dogma, para o mercado financeiro, já não se precisa provar nada sobre ela. Basta repeti-la. A inflação tem dado sinais de arrefecimento, com trajetória tendendo para o limite da meta. A bolsa de valores acaba de bater recorde, o desemprego é um dos mais baixos da História e o PIB vem crescendo de forma consistente. Mesmo assim, há insistência na prescrição de sempre, como se o problema fosse um paciente imaginário e não a realidade concreta de uma economia que precisa de investimento e crédito para se mover. Em decorrência da atuação equivocada do Banco Central, a taxa de juros no Brasil é a segunda mais alta do mundo, correspondendo a estratosféricos 15% ao ano, perdendo apenas para a Turquia.
Algo realmente chocante é que a própria indústria nacional e boa parte do empresariado vem alertando sobre o equívoco. A Confederação Nacional da Indústria publicou matéria, tanto em sua página quanto no grupo CNN, repudiando a alta dos juros e denunciando como ela tem estrangulado o crescimento do país. A empresária Luiza Trajano, dona do Magalu, desde a época em que Campos Neto era presidente do Banco Central, já fazia desagravos públicos à condução da política monetária de juros altos. Nesse ano, executivos do Banco Votorantim e até casas de análise do mercado financeiro, como a Nord Research, convergiram no diagnóstico ao declarar em entrevistas que o juro brasileiro é um fardo insustentável. Nenhum setor produtivo suporta uma taxa de 15% sem se tornar refém da especulação.
O professor Paulo Feldmann, da USP, tem sido cristalino ao afirmar que essa política não combate a inflação, mas trava o desenvolvimento. Em suas palavras, o Brasil é o único país do mundo que tenta frear a alta de preços destruindo a própria capacidade de crescer. Na prática, o que se defende não é estabilidade, mas o privilégio de poucos que lucram com o medo coletivo.
O Copom está reunido e deve definir, hoje, a taxa de juros. Embora o Banco Central seja totalmente dependente de orçamento federal, desde 2021 ele é considerado uma entidade autônoma pela lei, ou seja, o governo paga, mas não tem poderes para definir a trajetória dos juros que, por sua vez, corroem as contas públicas. Passados 4 anos, está mais do que provado que conceder essa independência ao Banco Central foi um erro que está custando bilhões. A febre dos juros altos se mantém porque há quem viva dela. Mas um país não se salva pela febre: se salva pela coragem de enfrentar o diagnóstico errado. E o diagnóstico está dado. A taxa atual não é remédio, é paralisia e estagnação. Reduzi-la é o gesto de sanidade econômica que o Brasil precisa tomar, e de forma imediata.



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